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O lápis que vê

O lápis que vê

13 de Junho, 2020

Pensamento aleatório despregado #57

Ana Isabel Sampaio

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É difícil parar para analisar tudo o que se tem passado e vai continuar a passar este ano. Muito porque, em termos de sociedade, temos pouco o hábito de refletir sobre as coisas.

Digo muitas vezes que assuntos que causam polémica ou levantam muitas vozes em lados opostos são assuntos que precisam de ser discutidos, mas discutidos em termos de debate. Recentemente percebi o quanto a palavra discussão é mal conotada. Falava com os meus alunos e disse-lhes que estava a gostar da discussão que se estava a gerar entre eles. Muito atrapalhados, tentaram desculpar-se e explicar que não estavam a discutir e não estavam zangados. Claro que eu não estava chateada com eles, mas o facto é que, estão tão pouco habituados a que lhes deixem tempo para debate entre si, que entenderam o meu comentário como negativo.

Falta falar sobre os assuntos.

Falta ouvir sobre os assuntos.

Só porque uma coisa não é problema para mim, não quer dizer que não seja questão para outros.

É fácil analisar as coisas superficialmente. Aliás, é o que mais se faz. Se esse não fosse o caso, não teríamos a chorrilho de disparates ditos (e feitos) de diversas figuras que, têm sim, responsabilidade pública.

A hipocrisia ainda reina pela falta de capacidade de autoanálise, da falta de tirar a cabeça da areia e olhar para a própria merda (ainda tentei outras palavras, mas merda é mesmo a que expressa melhor a ideia).

Desresponsabilizamo-nos a nível pessoal de uma série de coisas que são sim responsabilidade nossa. Caso isso não acontecesse, não teríamos a quantidade absurda de máscaras a bailar ao vento quando a questão climática e da poluição foi tema central durante toda a quarentena.  Desresponsabilizamo-nos dos nossos hábitos de consumo (artigo), da nossa obrigação de nos informarmos sobre as coisas antes de opinarmos como se as nossas opiniões fossem factos, falamos com certezas demais de realidades que não conhecemos.

Achamos que as instituições têm obrigações para connosco, mas na hora de exercermos direitos e deveres fundamentais, excluímo-nos das decisões.

E por outro lado, há situações onde aceitamos responsabilidades e condições que não dependem de nós (pelo menos não a larga escala). Achar que grandes empresas e organismos públicos (basta passar os olhos por concursos de juntas de freguesias e camaras municipais) não têm obrigações e até fazem um favor, porque dão emprego a muita gente, emprego precário que alimenta desigualdades e situações extremas, não só de dificuldades das famílias, mas de stresse, cansaço, doenças mentais e físicas, é uma falácia.

Quando não paramos dez minutos a tentar perceber melhor as coisas estamos a desresponsabilizarmo-nos. Quando nos exaltamos porque a nossa bolha de conforto foi levemente afetada estamos a contribuir para a desinformação. Quando julgamos sem saber estamos a contribuir para a exclusão. Quando olhamos para o lado estamos a contribuir para a opressão, que vem de muitas formas.

A falsa sensação de segurança que acomete uma parte da população é só isso: falsa. Porque se alimentamos um sistema que usa as fragilidades, mais cedo ou mais tarde calha a todos, e aí não foi o sistema que falho, porque ele funciona dessa forma, fomos nós que preferimos assim sendo reacionários e velhos do restelo.

Vozes que se levantam contra o movimento black lives matter eram muitas das mesmas que se levantaram contra o movimento me too, que se levantam contra tudo o que ameace o status quo. No entanto, criticam constantemente tudo o todos. Não se pode querer uma coisa e o seu oposto.